Obama voltou a sublinhar aquela que devia ter sido a prioridade absoluta na guerra contra o terrorismo. O envio de tropas para o local que constitui o verdadeiro foco do terrorismo global e que, ao contrário de outras organizações terroristas mais politizadas, tem como agenda a execução de actos de agressão que impliquem a morte do maior número de pessoas possível.
Passo a explicar: ao contrário da Al-Qaeda, outras organizações terroristas têm ambições a nível regional e político que não são compatibilizáveis com perdas de vidas humanas ao nível de um 11/09. A execução de um atentado dessa magnitude implicaria a imediata perda de apoio internacional e regional para as suas causas, uma inevitável perda de apoio financeiro que significaria o fim das mesmas organizações.
Esse obstáculo não existe para a Al-Qaeda, cujas fontes de financiamento se tem gradualmente tornado menos visíveis no sistema financeiro, retornando ao tradicional acordo verbal e cuja validade (aos olhos do seus membros) não é objecto da mais vaga discussão.
A Al-Qaeda não visa a substituição de regimes ou o apenas o fim da existência do Estado de Israel, os operacionais – pelo menos os originais – de Bin Laden foram recrutados de um cenário pós-guerra, dos campos de refugiados na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, onde a média de idades não ultrapassava os 32 anos, onde o Corão foi ensinado por gente que nem sabia ler, doutrinados na mística do guerreiro sagrado cuja missão última era a imposição do Corão pela força e no conceito do martírio, hoje nada mudou. Estes jovens não olhavam e nem olham para o ocidente à procura de diálogo. Não há diálogo possível com os que não obedecem à sua visão das palavras do Profeta, sejam ou não muçulmanos.
A forma como estes jovens, velhos aos 20 anos de idade, olham para a sua terra é muito reveladora: A sua localização torna-o um corredor entre o Irão, toda a região árabe, a Índia e entre a Ásia Central e o sul da Ásia. Para eles, a sua terra é, como nas palavras do poeta indiano Iqbal, o “coração da Ásia”. O próprio terreno, célebre pela mistura entre sistemas montanhosos áridos e vales luxuriantes, tornaram-no num lugar onde nascem lendários guerreiros e inevitavelmente sagrados. Quando só se tem 30 anos para viver, quando aos 15 anos já vivemos metade da nossa vida, esta visão do mundo e de nossa condição deve ser terrivelmente confortante. Todo o sofrimento tem uma justificação e um destino, se ele é bom aos olhos de Deus melhor ainda.
A questão que sobra e não é uma questão menor é esta: Não basta, embora seja absolutamente necessário, dotar o Afeganistão de meios para anular esta gente, o que em si não é sequer uma novidade para a população. Invadida vezes sem conta, desde as invasões arianas à 6000 anos atrás, viu todo o tipo de civilizações nascer e desaparecer.
Pouca gente poderá apreciar a situação se não souber que e a título de exemplo Kandahar, a segunda cidade mais populosa do Afeganistão e habitada desde o anos 500 A.C. e fica ao lado de uma vila fundada algures no ano 3000 A.C., conhecida pela sua localização na intersecção entre as principais rotas de comercio entre a Índia e o Oriente, famosa pelos pomares que a rodeavam e que em 1990 pouco mais eram do que um gigantesco campo de cultivo de papoilas na cidade mais minada do planeta. A história e a cultura locais de Kandahar foram arrasadas e o que sobrou presta-se aos mais variados abusos, como o Templo da Capa do Profeta, capa essa que o famoso Mullah Omar, líder Taliban que protegia Bin Laden, mostrou à população que o baptizou Líder dos Crentes.
Logo, não se trata de determinar se 30 000 soldados serão suficientes, provavelmente não serão, mas se é possível repor os princípios de uma região que teve cidades dedicadas à Cultura, cidades que foram conhecidas pela sua ligação à educação e ao conhecimento, lugares que ultrapassaram em muito, por exemplo, os valores ocidentais da emancipação da mulher. Sítios que os Talibãs – financiados pelos contrabandistas de droga e armas – arrasaram e tentaram apagar da memória. Falta no fundo fazer aquilo que a comunidade internacional não fez no Afeganistão pós-soviético e se não fizer outra vez, se não financiar a paz nos mesmos moldes em que financiou a guerra, será uma questão de tempo até um novo 11/09.